sábado, 29 de março de 2014

Positivismo e a arquitectura do nosso tempo

Entrevista a Fernando Morgado





Parte frontal do Partenon (Grécia).




«(...) J.L. – Onde começa a arquitectura?

 O.V. – Começa ou na Grécia ou no Céu ou no Céu ou na Grécia.

 J.L. – E o Egipto?

 O.V. – Aí, foi só geometria. Faltava a proporção para ser arquitectura.

 J.L. – Julguei que na Grécia só havia começado a filosofia.

 O.V. – A filosofia é o embrião que contém todas as artes.

 J.L. – Tudo, então, é filosofia?

 O.V. – Nada é sem filosofia...».

Orlando Vitorino («Filosofia e arquitectura ou não há imagem sem legenda»).


«(...) Seguir e perseguir metodicamente as metáforas, - eis um preceito libertador que recebemos das doutrinas mais antigas. Muitos dos que o proclamam, e aconselham, não o cumprem imediatamente. Exemplo notável é o daqueles escritores que, desatentos às leis da vida, não conseguem descobrir a mediação lógica entre a cultura da fraternidade universal e o culto prestado a nosso Pai.

(...) Ao verdadeiro artista não se põe o problema de exprimir sinceramente a sentimentalidade, mas o problema de constituir imagem sensível de uma realidade insensível. A esta imagem se dá o nome de símbolo. O artista incapaz de imaginar, de verter o insensível no sensível, tem de recorrer a símbolos já feitos por outrem, e tal é o caso quando a escola forma tradição.

A razão estética é a faculdade de ler símbolos. Raros homens a exercitam, porém; muitos são os que solicitam legendas para verem as obras de arte, porque sem legendas não saberiam ver. Entre o crítico de arte que descreve uma catedral em termos próprios de um mestre-de-obras, e um crítico literário que descreve um livro em termos de catalogador de biblioteca, há a medida comum da ignorância do que se trata.

A catedral é um conjunto de símbolos, como foi demonstrado por J.-K. Huysmans num livro admirado e admirável, mas para ler os símbolos de uma catedral é indispensável ser iniciado em teologia. Não entenderá os dizeres da rosácea quem não houver entendido o significado de rosa mística, e, portanto, da devoção do rosário. A fé total, que por isso mesmo se diz fé católica, ou ortodoxa, não repele a fé parcial dos heterodoxos, porque espera e atrai a conversão de todos os crentes.

A catedral é o termo da viagem alegórica do peregrino, do palmeirim ou do romeiro, imagem da nossa vida. Errar é próprio do homem, e só de quem se pode dizer que procura a verdade. Está na parábola do Filho Pródigo a melhor lição de prudência para os verdadeiros apologetas.

Catedral de Chartres (Paris).


É indispensável ao artista saber o simbolismo das mais simples figuras geométricas, e não apenas o significado útil para o desenho rigoroso, indispensável para o técnico. Quem não estudar este simbolismo será incapaz de imaginar qual o movimento que paralisou no desenho, qual o fluido que consolidou no volume, e atribuirá ao acaso o trânsito artístico do caos ao cosmos. Esquecidos os segredos tradicionais de decifração dos símbolos, ou cifras, a estética decai em mera doutrina da percepção, e na sua decadência arrasta a filosofia da arte.

As artes plásticas têm por fim representar visivelmente o invisível ou, melhor, o insensível, por divina graça da imaginação. Assim é na pintura, assim é na escultura, mas assim é, também, na arquitectura.

A utilidade de um edifício, se determina um problema técnico de construção, não exclui a finalidade monumental, que o artista imagina e desenha, consciente ou inconscientemente motivado por um ideal superior de cultura.

Todas as linhas das obras de arquitectura significam distâncias, ou, o que é o mesmo, constituem aquela escritura simbólica que só o apreciador, o crítico e o historiador da arte sabem decifrar. Quem disser que as linhas e as figuras não são intencionais, nada dizem, não falam, porque foram traçadas por capricho, acaso ou rotina, confundirá a mão do artífice inconsciente com a cabeça do artista inventor. É certo que muitos monumentos arquitectónicos são anacrónicos, mas essa certeza apenas prova um desacerto de expressão plástica, insinceridade ou atraso no sistema de educação.

Catedral de Colónia (Alemanha).


Imaginar o desenvolvimento, e imaginá-lo como a forma que quebra as figuras, é indispensável para saber ver, e nesse exercício se adquire o talento de quem imagina a figura oval quebrar-se para que a ave nasça, e na disformação prevê a figura da evolução. Imaginar a gravidade pela relação com a terra é um exercício que habilita a prever a conexão do nascer com o morrer. Imaginar o peso segundo o fio de prumo, e não segundo a lança, o peso em equilíbrio, é indispensável para chegar à original noção de que pesar é pensar».

Álvaro Ribeiro («A Razão Animada»).


«(...) Há uma história oculta de Portugal. Não dizemos isto no sentido em que de tudo se pode afirmar ter um aspecto oculto.

Pensamos que houve entre nós, senão connosco, uma organização esotérica que, de uma maneira perfeitamente consciente e intencional, procurou a partir desta Pátria, a que deu existência, redimir o mundo do mal e da divisão.

A existência de organizações secretas no mundo medieval é reconhecida unanimemente pelos historiadores, embora divirjam quanto à importância a atribuir-lhes no plano histórico. Uns consideram a sua influência decisiva, enquanto outros nem sequer se lhes referem quando procuram determinar as causas dos acontecimentos. Trabalhando sobre documentos de natureza especificamente historicista, como crónicas, registos notariais, etc., que representam, quase sempre, uma descrição exterior e já muito afastada do centro dos acontecimentos, não podem, evidentemente, por esse caminho, ter qualquer notícia daquilo que, por ser de natureza secreta, nem sequer era pressentido pelos próprios contemporâneos. Se tivessem um real amor da verdade, teriam de reconhecer noutro tipo de documentos a fonte verídica do conhecimento histórico.






Estamos a pensar, como o leitor já o adivinhou, nos vários documentos cifrados existentes na época que constitua objecto de estudo porque não há outra forma de expressão reveladora daquilo cuja natureza é, por definição, secreto. Em vão procuraremos noutro lado. Não poderíamos, evidentemente, esperar que outros que não os próprios nos tivessem dito o que só eles sabiam. Dizendo, calavam. Pelo dizer calando se define precisamente a cifra.

A cifra é o decifrável, embora a decifração não possa consistir noutra coisa que não seja a transposição, isto é, a metáfora. Explicada nos termos da língua comum, foge e escapa-se, e quando julgamos ter-lhe apreendido o sentido e mantê-lo preso num ponto já esse sentido está distante noutro ponto, noutro lugar de nós. Daqui a falta de força persuasiva para quem não seja capaz de situar-se no espaço mental feito de evidências em que se movem as metáforas, mas contra os historicistas há sempre o recurso de lhes mostrar que as suas explicações não explicam nada.

A cifra, primeira na ordem do Reino, que cala o mistério da história de Portugal, é o "manuelino". Ponhamos, porém, esta afirmação no modo hipotético. Se ela vier a confirmar-se, isto é, se for possível demonstrar que por detrás do "manuelino" está uma organização esotérica, então, qualquer que ela seja, identificar-se-á com o Reino, porquanto os símbolos fundamentais do "manuelino" - a cruz de potência e a esfera armilar - eram simultaneamente os símbolos régios».

António Telmo («História Secreta de Portugal»).



Mosteiro dos Jerónimos (Lisboa).




"Arquitectura serve hoje uma maquinação positivista contra o sacramento do matrimónio"


Foi-nos difícil encontrar o sr. arquitecto Fernando Morgado. Por fim, depois de muitas tentativas, conseguimos falar com o esclarecido escritor. Autor de inúmeros artigos sobre problemas de arquitectura, Fernando Morgado é um dos mais inteligentes e activos defensores da autonomia da cultura portuguesa. Visto que a Flama pretende nesta página estudar o problema universitário de uma perspectiva simultaneamente nacional e católica, este escritor aparece como um dos mais indicados para referir esse problema ao ensino das Belas-Artes. Quando finalmente fomos atendidos, prestou-se amavelmente ao diálogo.

- Gostaríamos de ouvir a sua opinião, na qualidade de arquitecto, sobre a arquitectura actual.

- Parece que hoje, já ninguém tem dificuldade em explicar pelo positivismo a arquitectura do nosso tempo. Basta olhar para ver. Para ver que não há uma intenção simbólica, uma significação espiritual de acordo com a nobre e antiga tradição artística dos construtores medievos, tal como se espelha na interpretação católica de Paul Claudel em L'Annonce faite à Marie. Subordina-se a arquitectura ao funcional, ao utilitário.

- Mas não será, sr. arquitecto, que ela deve visar o conforto, realizar todas as exigências de salubridade, higiene, bem-estar...

O entrevistado, sorrindo, retorquiu: - certamente. Ocorre-me, por isso, algo importante. Não se pode conceber a casa sem a família. Quem casa quer casa. Se há que ter em vista, como muito bem se diz, a finalidade utilitária, toda a arquitectura deve ser orientada em função da família.

Ora, tal como hoje se constrói, com a redução das paredes ao mínimo indispensável para a separação - e não para o isolamento - das três zonas da casa não existe a possibilidade de se manter o que dá coesão à família, ou seja, o segredo da relação conjugal. Também com a interpenetração cada vez maior das habitações e a consequente promiscuidade vicinal...

- Ocorre-me o contraste entre o docel e os telhados de vidro...

- Isso mesmo. Fabrica-se com pedras, ferro e cimento, casas de vidro. Em vez de celas monacais, constrói-se células sociais. A arquitectura serve hoje uma maquinação positivista contra o sacramento do matrimónio...




- Tem-se esquecido a importância do lugar do tálamo na orientação das divisões.

- Claro. Tanto mais que é a mulher quem deve ser o elemento de ligação do arquitecto com a família, pois é ela quem sabe quais as relações dos familiares uns com os outros e, portanto, os requisitos da habitação que deve ter o seu lar. E tudo acontece ao invés, pois as famílias são forçadas na maioria dos casos a escolher uma casa como um fato feio, que, na maioria das hipóteses necessita ser emendado para servir.

- Sim, a tendência hoje observável é a de transformar a casa em local onde se dorme e se come...

- Nem sequer se prevê alojamento para os ramos ascendente e descendente da família. Repare que as casas raramente têm lugar para mais do que um filho e nenhum para os avós. Esses irão para os asilos.

Sem falar já na ausência do museu familiar e da biblioteca, o lar está reduzido a uma cama e à mesa. Note que hoje nasce-se na maternidade - que deveria chamar-se natividade - e morre-se no hospital.

- Hoje nasce-se e morre-se em comum. Dois dos acontecimentos mais importantes da vida humana, tão importantes que a Igreja os consagra nos sacramentos do baptismo e da extrema-unção, deixaram de pertencer à família. Poder-se-á de algum modo explicar este estado de coisas por uma decadência da arquitectura? Parece-me, pelo que o sr. arquitecto disse, que é possível ligar ambas as coisas.

- É útil que se considere a arquitectura disso responsável. Pessoalmente, não posso admitir uma arquitectura existindo independentemente duma filosofia. Em Portugal, duma filosofia portuguesa. É preciso não esquecer que as estruturas podem modificar o meio, se o meio não modificar as estruturas. E a vida que a arquitectura de hoje proporciona aos portugueses é diversa do modo português de viver.


Vista do Castelo de S. Jorge sobre Lisboa.


Note, porém, Francisco Sottomayor, que estou a referir-me à arquitectura que se faz e tem feito entre nós desde há trinta ou quarenta anos; isso não quer dizer que não haja arquitectos conscientes de que não se pode limitar a Arquitectura ao jogo de respeitar ou iludir regulamentos e posturas que cerceiam de tal modo as funções do arquitecto que bem pode dizer-se ser o poder público o único arquitecto possível em Portugal.

- Então acha que a legislação vigente não faculta a livre concepção da obra?

- Sim; a meu ver, a legislação em vigor, no que respeita às edificações urbanas, necessita de uma urgente e total revisão. Não é de continuar um estado de coisas em que o talento do arquitecto se mede pela habilidade em projectar edifícios que as leis autorizem, no mínimo espaço de terreno. Este ponto de vista, próprio do construtor industrial, não é admissível nos responsáveis pela arquitectura em Portugal.

- A quem atribui a orientação positivista da moderna arquitectura? Ao ensino que se ministra nas nossas escolas de Belas-Artes?

- Sim, o ensino é o grande responsável. A formação dos arquitectos é de tal modo precária, que só ao cabo de muitos anos de humilhante sujeição à técnica, se começam levantando vozes em defesa da prioridade da estética. A liberdade de imaginação, a possibilidade da infinitude de soluções que constituem a essência da arte arquitectónica, nas suas relações com o plano do pensamento, é sistematicamente ignorada nos programas das escolas de Belas-Artes. Os espíritos acham-se de tal modo inquinados pelo positivismo, que se não ouve nas aulas de arquitectura um indício sequer da percepção de uma simbólica.

- Quer dizer que se não estabelecem relações entre as expressões artísticas e o significado humano e transcendente das obras...


À esquerda, um mausoléu (Centro Cultural de Belém) a ensombrar o Mosteiros dos Jerónimos.


- Sim: ou tudo é o utilitário, ou tudo é o plástico, ou tudo é o utilitário e o plástico de mãos dadas. Na confusão da forma com a forma, do modelador com o modelado, da cabeça com as mãos, elegem-se linhas e volumes cuja adequação à finalidade da obra, quando exista, é meramente acidental. As escolas não falam do que seja a comunicação realizada pelo artista, já no plano trans-humano. É a técnica, com a sua grande sombra, que apaga e dilui a imaginação. Se o aluno não fizer uma formação pós-escolar, corre o perigo de se transformar no engenheiro (fabricante de engenhos, fabricante de máquinas de viver), na melhor hipótese. Atinge-se apenas a delimitação de dois campos: o dos tradicionalistas e o dos modernistas, que julgando-se em oposição de conceitos, mais não fazem do que apontar uns aos outros os mesmos defeitos e inépcias. Quer dizer, não há oposição de conceitos mas apenas de vontades. O que seja uma arquitectura nacional radicada nas características étnicas do nosso povo, mas actual não passadista, é ponto cuja discussão se não faz nas Escolas de Belas-Artes, nem antes nem depois da actual reforma.

- A ausência de conceitos que o sr. arquitecto vê na moderna arquitectura torna-se verdadeiramente contraditória quando ampliada à arquitectura religiosa. Ou isso não se verifica nas recentes atitudes perante a arte religiosa?

- Podia aplicar-se à moderna arquitectura religiosa o verso de Fernando Pessoa: "Embandeiraram o barco de maneira errada". Quer dizer, a construção do templo já não corresponde à simbologia mariológica contida na ladainha: porta caeli, turris eburnea, etc. O paradigma do templo português, como foi expresso em Quinhentos pelo Manuelino, não é o homem mas a mulher. Importa apenas criar para hoje o correspondente do manuelino, o atlântico actual, arquitectura dos mares, ou seja, de "Maria" (plural latino de Mare).

- Mais concretamente: a arquitectura religiosa, moderna, esquecendo a importância da porta no templo (símbolo da iniciação católica), do correspondente das colunas apocalípticas, das capelas laterais e respectivos luzeiros, a tendência, enfim, em transformar o templo numa sala de reuniões dos fiéis, perfeita quanto à acústica e aos lugares de estância, com a preocupação única de uma ambiência de fé sentimental, não cuida nem serve o culto dos fiéis na sua comunidade com o sobrenatural.

Repare você que os móveis de ajoelhar e sentar são aquilo que a palavra diz: móveis; portanto, não resultam da estrutura arquitectónica do tempo. Os móveis na Igreja são os fiéis. Lembre-se das antigas peregrinações e da charola das catedrais medievais.

Assim terminou esta entrevista em que o arquitecto Fernando Morgado nos permitiu colher declarações a que podemos justamente chamar notáveis. Notáveis porque merecem e devem ser notadas por todos quantos se limitam a olhar como espectadores, mais ou menos desinteressados, o problema da arquitectura religiosa dentro da arte moderna (in Flama, ano XIV, n.º 519, Lisboa, 14 de Fevereiro, 1958, pp. 5-6).


Lisboa












Ponte Salazar



quarta-feira, 26 de março de 2014

"A liberdade é o próprio espírito"

Entrevista a José Marinho





«(...) Homem algum vive, escreve o pensador [Leonardo Coimbra], sem uma relação com o absoluto. Nuns, essa relação é mais profunda, levou-os a pesquisar sem fadiga e a repousar apenas na certeza do absoluto verdadeiro. Noutros, essa relação emerge, por momentos, da própria tranquilidade e aparente segurança de suas vidas automáticas e monótonas.

"O homem comum vive numa concha, formada dos seus hábitos, depósito dum secular arranjo social. Não se interroga, não pressente que, em torno dessa concha, marulha um infinito Oceano, removido de infinitas actividades e formas. No entanto, ele mesmo acredita na absoluta solidez da sua concha, ele mesmo tem um direito e um dever. E quem deve, crê na singular excelência do seu dever.

Por maior que seja o círculo do cepticismo, alguns pontos sólidos, alguns núcleos de realidade se encontram, de onde em onde, inexpugnáveis e serenos, sob o embate vertiginoso da dúvida...».

José Marinho («O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra»).




"A liberdade é o próprio espírito"


No dia 30 do mês passado [1958] fomos uma vez mais à Faculdade de Direito, cuja Associação Académica, conforme já noticiámos aqui, promoveu um ciclo de conferências sobre problemas de filosofia. Não íamos desta vez ouvir um sacerdote, mas um pensador perplexo, como é sempre todo aquele que não radica a sua elaboração intelectual em certezas prévias. O título da palestra era aliciante: "O Conceito de Razão na filosofia portuguesa moderna". Começou o prelector por mostrar toda a importância do tema: a continuidade da problemática da razão num pensamento aparentemente tão intuitivo como é o nosso. Evocando a seguir as circunstâncias em que a urgência do tratamento deste assunto lhe surgiu, referiu os quatro livros  significativos que, pelo próprio título, tomam especial relevo nesta problemática: Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé de Amorim Viana, Razão Experimental de Leonardo Coimbra, Razão e Absoluto de José Bacelar, Razão Animada de Álvaro Ribeiro.

Até aqui entendemos nós. Depois, só no café, entre duas bebidas, pudemos ver mais alguma coisa. Levávamos uns apontamentos que lemos ao Dr. José Marinho. Ouviu atento e amável mas por, fim, exclamou:

- Em que dificuldades me veio colocar, meu amigo! Assim, tenho de fazer outra conferência, porque o pensamento é dom diferente da memória, apreende-se num instante e, noutro instante, dá-se dele pálida semelhança.



José Marinho



Em resumo, pretendi na minha palestra contribuir para suscitar reflexão e ambiente de compreensão para o nosso pensamento moderno. Repare, no meu título e no de que já temos falado. A hermenêutica ou exegese do nosso pensamento anterior ao século XVIII é, por certo, relevante. Dado o segredo, porém, do nosso destino como homens ou das possibilidades da filosofia portuguesa, está em nós e nos nossos próximos mestres ou conviventes. Eis o que é preciso dizer não como quem dita a verdade, mas suscita alheia reflexão e alheio exame.

Como naturalmente recorda, no início e em alguns pontos mais singulares da exposição, fiz voto de equanimidade perante os diversos tratados. Tenho, é claro, orientação própria e afinidades maiores com uns do que com outros. Ali, porém, era um intérprete, no dever de pôr a minha palavra ao comum serviço de pensadores afins ou diferentes de mim próprio, e não só por isso fui levado a mencionar outros pensadores, além dos que você antes indicou, como me apareceu logo impossível tratar o tema sem referir e examinar, embora com brevidade, outros, passados ou contemporâneos, como Antero de Quental, Sampaio Bruno, António Sérgio, Raul Proença, Sant'Anna Dionísio e Delfim Santos.

Referi-me também ao que devemos, sob o aspecto histórico, a Joaquim de Carvalho, quando tive de ocupar-me de Antero de Quental.

- Foi-me difícil, como a outros ouvintes, seguir uma exposição que abrange quase cem anos de vida filosófica, tanto mais que os pensadores de que o sr. dr. acaba de falar não escreveram livros com título referente à razão.

- A sua dificuldade de entender todo o desenvolvimento da palestra está plenamente justificada. Note que não falo por modéstia, mas por ser assim.

- Não, o problema é que é delicadíssimo...

Mas o sr. dr. José Marinho continuou:

Eu encontrava-me na necessidade de tratar o tema das relações entre a razão e a fé, ou a razão e a crença, pois essa relação está no princípio não só da obra singular do deísta Amorim Viana, mas também, como é evidente, em Leonardo Coimbra, e procurei evidenciar nas duas últimas e significativas obras que você já também mencionou, Razão e Absoluto, de José Bacelar e Razão Animada de Álvaro Ribeiro.

Depois de acender outro cigarro, o nosso entrevistado retomou a palavra:

-  Eu teria, segundo creio, conseguido desenvolver o tema com melhor unidade e mais breve elegância, bem como melhor garantia de entendimento dos auditores, se, entretanto, o exame de outros textos me não tivessem imposto duas outras relações capitais: a da inteligência e razão, a de razão e intuição. Mas não podia certamente situar o pensamento de Sérgio ou de Raul Proença, nem o de Bruno e Leonardo Coimbra sem tentar esse acúmulo de determinações que naturalmente me dificultava a marcha.



Sampaio Bruno



- Compreendo. Mas qual a sua ideia? Ou, se não há ideia, qual o seu propósito?

- Perdão, meu caro Sottomayor, como admite você que eu pretendesse dizer algo com propósito de ideias? Decerto, a Ideia (não se esqueça do I maiúsculo) é algo de consideravelmente mais sério, ou para sim ou para não, do que os nossos pensadores eclesiásticos ou científicos supõem. Veja por exemplo como é maravilhosa a descrença quando a ilumina desde as profundidades o transfigurante fulgor da Ideia!

Suspendendo-se um momento e com um brilho no olhar, o nosso entrevistado disse:

- A tão generosa e fiel notícia da minha intervenção no final da palestra do Pe. Dr. João Ferreira foi omissa num ponto. Eu disse efectivamente, e a minha palestra posterior procurou confirmá-lo, que a descrença não é pecado a negar em nome de uma crença estabilizada. Isso seria, religiosa, teológica e filosoficamente a abominação das abominações.

A descrença dissolve ou rompe os limites da crença que a razão finitizada e o ser encarcerado em longos hábitos e nas leis do mundo ou dos homens perverteram.

Interrompemos neste ponto para objectar:

- Afigura-se-me que à apologética católica não interessa hoje o problema da crença ou da descrença, mas o da fidelidade ou infidelidade à Igreja...

- Que imenso problema, perturbante de enigmas e sumos mistérios você abre aí! Repare que a fé é um vínculo absoluto, e na tradição judaico-cristã os crentes ortodoxos, entre os quais peço não me inclua, podem supor estar na posse de todo o segredo. Mas quem meditou o sentido de crer e descrer sabe estar aí uma via aberta, um processo aberto de relação entre Deus e o homem. Se conhece algum teólogo capaz de esclarecer-me cabalmente neste ponto, fará o favor de me dizer onde está e quem é.

- Não conheço, sr. dr. Concordo em que não é essa a direcção que entre nós tem tomado a apologética.

- Parece que algumas pessoas que me ouviram se não aperceberam de que isto continua uma das ideias de fundo da minha palestra: mostrar que os pensadores portugueses modernos, mais autenticamente filósofos do que os supõem, ou do que às vezes eles próprios se supõem, garantiram sempre a infinitude ou da razão ou da crença, o que tudo significa ter compreendido que o espírito é livre e que a liberdade é o próprio espírito. Para mim, e já não espero sair disto, quem mo ensinou, sendo eu quase menino, foi Leonardo Coimbra: "o cristianismo é a religião da liberdade".
Jesus Cristo e os Apóstolos


- Tenho pena de que o sr. dr. não possa dizer-me especificamente para cada pensador português moderno a qualidade ou o significado do seu contributo.

O nosso entrevistado respondeu:

- Bem vê, seria tão longo... Foi para mim surpreendente a leitura dos nossos pensadores modernos a partir do tema enunciado. Se tivermos em conta a adversidade da filosofia especialmente entre nós e a falta de autêntica preparação filosófica dos nossos universitários, hoje sentida em geral como bradando aos céus, eu diria que os nossos modernos filósofos estão quites. Que eles se não entendam uns com os outros, ou o público culto ainda desestime o seu esforço e mérito, isso nada revela senão que são e somos homens. Lembremo-nos também de que, em regiões espirituais de cristianismo aberto e mais sábio, como a Alemanha e a Inglaterra, as relações dos pensadores entre si ou com o ambiente cultural nem sempre são exemplares.

Subitamente caiu o silêncio sobre a nossa mesa. O dr. José Marinho estava já cansado de falar. Não nos era lícito insistir com outras perguntas. O jornalista também já tinha o braço cansado de transcrever para o papel as luminosas declarações de um pensador português que na obscuridade de uma vida modesta está a preparar uma obra que - Deus sabe e Deus permita - venha a ser para a nossa cultura mais um fermento capaz de levedar e satisfazer a nossa sede de verdades divinas.

Neste país que dá aos autores de histórias e aos redactores de História, enfim, aos que escrevem sobre o que os outros pensaram e disseram, uma protecção comparativamente injusta e ofensiva para as outras actividades intelectuais, a Associação Académica da Faculdade de Direito tem que sentir-se muito grata aos filósofos como António Quadros, João Ferreira e José Marinho que tão amavelmente se prestaram a satisfazer a impetuosa curiosidade das novas gerações universitárias (in Flama, ano V, n.º 533, Lisboa, 23 de Maio, 1958, pp. 21-24).





sábado, 22 de março de 2014

Um novo livro de José Marinho

Escrito por Álvaro Ribeiro





Arc de Triomphe (Paris).



«Na classificação das ciências positivas e das disciplinas filosóficas há quem siga tão de perto a nomenclatura francesa que chega a enunciar os problemas em termos muito mais obscuros do que se utilizasse a linguagem comum, preferindo as palavras que cegam às palavras que fazem ver. Esquecemo-nos de que beneficiámos da disciplina escolástica por mais três séculos do que os Franceses, de que deveríamos permanecer quanto possível fiéis à nomenclatura de Aristóteles, e parecemos ignorar até as vicissitudes semânticas de cada palavra na história da nossa língua. Chegamos a ponto de denominar à francesa os sistemas de proveniência espanhola, inglesa e alemã.

A prova de que por de mais utilizamos textos franceses é-nos dada em muitos adjectivos que na desinência deixam vestígios de tradução demasiado literal. Termos como platoniano, aristoteliano, espinosiano, kantiano, hegeliano, etc., mostram que foram formados mediante o platonien, aristotélien, spinosien, kantien, hegelien, quando mais portuguesas formas existem para os adjectivos referentes a Platão, Aristóteles, Espinosa, Kant e Hegel. Estes exemplos bastam para indicar a classe inteira de abstardamento idiomático que devemos ao abuso da língua francesa como intérprete do pensamento filosófico.

O modo por que são entre nós traduzidos os livros franceses, geralmente tão fiel que escolhe as palavras de maior semelhança morfológica, tem por efeito repelir para o esquecimento e retirar o uso dos vocábulos diferentes que deveriam figurar na nossa nomenclatura e na nossa terminologia. Raros são já os tradutores e os escritores que ainda reagem fiéis ao espírito do próprio idioma, evitando que desvios de expressão permitam desvios de pensamento em nossos livros de filosofia. Teixeira de Pascoaes, em escritos notáveis, chamou a atenção dos poetas para as palavras portuguesas que não possuem equivalente semântico nas outras línguas, e a tais palavras chamou por isso intraduzíveis.

De palavras intraduzíveis dava Teixeira de Pascoaes como exemplo os seguintes substantivos: abismo, ermo, espectro, fantasma, luar, medo, mistério, nevoeiro, saudade, silêncio, solidão e sombra, e os adjectivos lúgubre, oculto e remoto. Só nós, Portugueses, sabemos usar de tais palavras com significação poética, mas quando exprimimos o nosso saber com sinónimos ou definições que os dicionaristas consolidam, desvalorizamos a poesia idiomática. Este câmbio vocabular facilita a argumentação de quantos impugnam, em nome de um falso supra-nacionalismo humanista, a tese profunda de Teixeira de Pascoaes.






Se, efectivamente, não existem sinónimos perfeitos, cada palavra portuguesa, ao sair do uso corrente, repelida pela força da tradução, leva consigo e retira do idioma a potência evocadora de um sentido, de um conceito ou de uma ideia. Deste empobrecimento do léxico resulta um enfraquecimento mental. Ilusório é julgar que algum benefício compensa a influência desnacionalizadora da tradução.

O uso e o abuso da leitura e da tradução de livros franceses aclima e cultiva certas formas sintácticas e estilísticas que amaneiram, dificultam ou inibem o que naturalmente tenderíamos a dizer segundo o modo vernáculo do povo português. A prosódia e a sintaxe francesas, com o seu classicismo e racionalismo, formadas no tempo de Vaugelas, Descartes e Bossuet, são perniciosas para a expressão de um pensamento como o nosso que, não sendo de estrutura moderna, não se reveste de forma clássica, e, sendo de tradição medieval, em tudo anseia por liberdade».

Álvaro Ribeiro («A Arte de Filosofar»).


«(...) É notável o modo como Álvaro Ribeiro, mostrando e demonstrando, em A Arte de Filosofar, a aptidão da nossa língua para a expressão filosófica, nos adverte para a hegemonia cultural que a Alemanha e a França efectivamente exercem no domínio linguístico, estilístico e literário dos outros povos, a que não escapa, por desleixo próprio, o povo português. Exemplos deste desleixo, oriundos sobretudo de más traduções de livros e notícias, são a importação de adjectivos e substantivos estrangeiros, mesmo quando graficamente nacionalizados. É o caso da tradução à francesa, demasiadamente literal, dos adjectivos platonien, aristotélien, hegelien, respectivamente vertidos em platoniano, aristoteliano e hegeliano.

Deste abuso resulta o que Álvaro Ribeiro designava por «abastardamento idiomático», tão presente, como actualmente se pode observar, em textos e expressões redigidas e proferidas por universitários. É o caso daqueles que, referindo-se à filosofia de José Marinho, usam e abusam do adjectivo «marinhiana», pois ao introduzir um a, abafam e abatem em feia monotonia a altiva sonoridade do falar português...».

Miguel Bruno Duarte («De Montargil a Estremoz», in Noemas de Filosofia Portuguesa).




Barragem de Montargil




MENSAGENS LITERÁRIAS - UM NOVO LIVRO DE JOSÉ MARINHO


A publicação de um livro de José Marinho assinala um acontecimento de repercussão fundamental na espiritualidade portuguesa. É sempre o resultado de um labor profundo, austero e sincero, mas também um documento de difícil leitura que só detém a atenção das pessoas inteligentes. Escrita mediante frases perplexas e circunlóquios dubitativos, sem dogmatismo na afirmação ou na negação, um livro de José Marinho semeia perguntas e interrogações à seriedade mental do leitor esclarecido, mas projecta também as reflexões e as respostas que, escondidas em terreno de actualizada cultura, aguardam o momento de serem reconhecidas à luz tradicional da filosofia perene.

O autor da Teoria do Ser e da Verdade, apesar dos seus dons de eloquência oral e escrita, parece-nos mais um ocultista do que um iluminista, já que a sua profissão ou confissão não é propriamente a de dizer, de clamar, de proclamar. Na sobriedade dos seus textos modelares só os espíritos mais diligentes lograram discernir e alcançar as teses que revelam a singularidade do mais original, quer dizer, do mais extraordinário pensador português novecentista. No dizer de um crítico assaz exigente como é Alberto Ferreira, José Marinho possui uma linguagem susceptível de ser entendida, visto que se pode encontrar, mediante conveniente esforço analítico, o seu conteúdo significativo (Real e Realidade, 149).

Afirma ainda Alberto Ferreira que quatro únicos pensadores possuem linguagem filosófica: António Sérgio, Vieira de Almeida, José Marinho e Delfim Santos. Tal atributo não lhes tem sido muito generoso, pois não lograram sem equívocos a aceitação do favor público, se medirmos o êxito das suas doutrinas nos limites da respectiva comunicabilidade. Elogiado por quantos lhe admiram o talento dialéctico ou por quantos estimam seu fundo humanismo e humanitarismo, José Marinho não beneficiou até agora da palavra amiga de alguém que, sem preconceitos nem ressentimentos, lograsse circunscrever por crítica pura a validade das suas asserções transcendentais ou transcendentes.

Algo de valioso tem sido escrito em Portugal sobre filosofia e respectiva didáctica. Leonardo Coimbra, seus colegas universitários Ângelo Ribeiro e Newton de Macedo, seus discípulos mais ou menos fiéis como Eugénio Aresta, Augusto Saraiva, Sant'Anna Dionísio e Delfim Santos foram autores de textos que, dedutivamente coligidos, formariam um documento notável sobre a crise espiritual portuguesa no século XX. Efectivamente, só na altura especulativa a que o filosofar autêntico oferece jus, poderíamos ver quanto a sucessão do positivismo (Comte), do evolucionismo (Spencer) e do materialismo (Lenine) desenha os três actos da tragédia em que se envolve ou revolve uma república perdida para o Reino de Deus.



Jesus Cristo anuncia o Reino de Deus



O Professor José Marinho, que durante decénios ou vinténios se absteve de praticar a crítica filológica à pedagógica (sem esconder seu desdém pelos seus coetâneos e contemporâneos que se dedicavam a explicar as «causas da decadência dos povos peninsulares» e a preconizar a reforma da mentalidade ou a instauração da filosofia), resolveu, enfim, prestar o seu auxílio tardio, mas superior e eficiente, a quantos militam, sacrificam e morrem pela convicção de que só uma intuição portuguesa nos dará a verdade capaz de garantir o nosso ser. Afastado da prática docente onde prestou as provas mais válidas do que seja um verdadeiro didacta de adolescentes, José Marinho assume agora a sublime coragem intelectual de propor, ante a situação do povo português, a tese clara de que a «filosofia é o fundamento, o processo e o fim de toda a educação». O escritor actua com aquela prudência que é sempre indispensável ante uma situação positivista, ou neopositivista, que toma para paradigma didáctico a instrução científica, ou a divulgação científica, bem avisado como foi de que qualquer tentativa para «acordar do sono dogmático» (Kant) será imediatamente seguida de repressão, represália ou vingança por quantos negam a Liberdade, o Espírito, Deus.

A educação não é uma batalha, e admitindo, como nós admitimos, que ela exija um mínimo de constrangimento, julgamos de mau gosto e de mau agouro designá-la por imagens que provoquem ou atraiam a aguerrida luta entre alunos e professores. Tudo quanto seja trabalho pacífico, disciplinado, hierarquizado, pressupõe demorada e informada reflexão imparcial sobre os princípios, os meios e os fins. Nada disso encontraremos na bibliografia portuguesa das oficializadas «ciências pedagógicas», cuja expressão absurda e contraditória não permitiria augurar resultados certeiros, distintos ou célebres, porque epistemologicamente não há tais ciências, e porque etimologicamente a palavra pedagogia, sendo de raiz infantil ou pueril, tem uma acepção muito mais restrita do que a palavra didáctica, extensiva esta a todos os ramos ou graus de escolaridade.

Filosofar é, para José Marinho, aprender a pensar, ensinar a pensar. Tal é o escândalo notável e notado neste opúsculo de 100 páginas que a Fundação Calouste Gulbenkian editou sob o título de Filosofia, Ensino ou Iniciação? Nenhum português medianamente instruído imaginará sequer que pensar seja designação adequada a uma disciplina liceal ou universitária, e portanto a qualquer das ciências positivas ou negativas, porque para ele, homem da rua, pensar é uma actividade natural, espontânea e permanente que pode, em qualquer momento, manifestar por seus ditos ou escritos.

Fundação Calouste Gulbenkian


José Marinho não se deixa influir por uma psicologia assente no naturalismo animal ou no naturalismo humano. A tese marínica, expressa em termos velados ou nebulosos, produz efeito tónico em quem a souber assimilar, e surpreenderá aqueles que, menos atentos às minúcias dos programas oficiais de instrução pública e aos preceitos didácticos dos metodólogos imponentes, observam que, em muitas escolas demasiadamente burocratizadas, o ensino está longe de ser verdadeiro pensamento, quando não é exactamente o contrário do próprio pensamento. Ora um país que não forme pensadores, que não ensine a pensar nos graus determinados pelos números dos programas escolares, jamais será um produtor de ciência ou de técnica, e seu povo ficará para sempre ajoelhado em servilismo perante a didáctica estrangeira, importando livros, utensílios e professores.

A teoria do pensar, digamos, a gnosiologia, a epistemologia e a lógica são hoje disciplinas ditadas, difundidas e divulgadas por escritores de erudição anglo-americana, os quais, tão fiéis aos princípios de Locke, Berkeley e Hume, como aguerridos detractores de Aristóteles, negam a tradição filosófica da cultura europeia, destituem a alma humana, ou o espírito humano, de todos os atributos significativos de liberdade, de actividade e criação, atendem apenas ao destino do indivíduo como animal social que mora e morre na Terra, propõem-se deslocar sacrilegamente, sem saberem para onde, a existência de Deus. Uma didáctica que apele apenas para o intelecto passivo, paciente ou recipiente, já que exalta a anterioridade de experiência, sempre subjectiva, individual, nominalista, sobre a razão universal, não é, nunca poderá ser, uma didáctica da arte de pensar: não passa de mera «formação» do animal doméstico que responde com resposta certa a um estímulo exacto, medindo a sua intelecção pelo êxito estatístico. A teoria do intelecto activo, magistralmente exposta por Aristóteles, ressurge e esplende agora entre as desculpáveis confusões do estruturalismo.

Todo este tema aparece superiormente analisado nos sete últimos parágrafos numerados da segunda parte do estudo, merecendo a atenção de quem se preocupa com os destinos da psicologia em Portugal. A tendência para ver na didáctica uma técnica, uma aplicação da técnica, enfim, uma psicotécnica, é contrariada pelo protesto de José Marinho, receoso de que o templo da ludicidade, que outrora foi a escola, venha a ser transformada em mais uma oficina de desumanização. As mais belas páginas do filósofo servem de aviso aos legisladores, aos professores e aos sacerdotes para que a tempo vejam os efeitos da psicologia inglesa e do pragmatismo sobre o pensamento e a acção dos Portugueses no Mundo.

Lisboa


A história da filosofia portuguesa, que ainda está por escrever, há-de revelar-nos que, na fidelidade à linha aristotélica, exprimimos um pensamento original e superior, o qual manteve garantia de verdade na relação com o monoteísmo de judeus, cristãos e islamitas. O princípio inalienável da filosofia portuguesa é a ideia de Deus, conforme ficou demonstrado por Sampaio Bruno, mas a Deus também está referida a universal filosofia, se aceitarmos o testemunho pitagórico. Entre os metodólogos que estão em seu livre direito de confessar e professar o ateísmo das ciências positivas, a psicotécnica escolar há-de situar-se em oposição à filosofia portuguesa.

O autor de Elementos para uma Antropologia Situada afirma sem receio que «todo o homem é um ser religioso, mesmo quando descrente», pelo que a tese também é válida para o homem português. Esta sua tese está em plena coerência com a tese subsequente de que a filosofia seja muito menos um ensino do que uma iniciação. Ora a iniciação caracteriza-se por não ser uma aprendizagem de maior ou menor ritual mas por ser a porta ou a entrada em melhor ambiente espiritual, sociedade superior de espíritos purificados, visivelmente representada pelo templo. Se o homem é um ser religioso, se por sua ansiedade vive em demanda da ligação amorosa, a qual só é verdadeiramente garantida por Deus, o alastramento metódico, progressivo e catastrófico do ateísmo contemporâneo solicita uma explicação metafísica, a qual costuma ficar petrificada nas palavras deslocação, descida, ou queda.

Ensino ou iniciação? Escola ou templo? Professor ou mestre? - Eis o que, em seu propósito dubitativo, José Marinho nos apresenta em termos de opção ou oposição, escondendo talvez que a verdade não resulta de uma ou outra atitude demasiadamente humana, que recorrem às urnas ou às armas, sabendo com certeza a lição sagrada do invisível e do inaudível. José Marinho aconselha e habilita o leitor a resolver por si, a resolver pela filosofia, os problemas enunciados ao longo do seu denso escrito, e o leitor agradecido não deixará de significar à Fundação Calouste Gulbenkian o valor excepcional de tão feliz, honrosa e célebre publicação (in Diário de Notícias, ano 109, n.º 38 412, Lisboa, 15 de Fevereiro de 1973, pp. 17 e 19).




José Marinho



terça-feira, 18 de março de 2014

Portugal e o Futuro

Escrito por Orlando Vitorino





«(...) Era o marxismo que naturalmente estava indicado para ocupar o lugar vago deixado na alma russa pela sua não-aceitação cultural, pelo seu radical niilismo e pelo seu sonho idealista, messiânico e apocalíptico da Parúsia. 

Foi, com efeito o marxismo que deu corpo a todo o revolucionarismo russo, que, parafraseando Turgueniev, poderemos dizer que vivia no estado gaseiforme - embora de gases tóxicos e em pressão explosiva.

A história do marxismo na Rússia é, depressa, a história do leninismo e, mais até, a história do próprio Lenine. 

(...) o Universo bolchevista é um Fim, mas um Fim que só se poderá atingir em sonho, e sonho de natureza das profecias de Soloviev sobre o Anticristo: uma humanidade bastando-se, na plenitude dos seus apetites satisfeitos, vivendo e morrendo na fusão gregária, pandemonista, de cada homem no Oceano do humanismo comunista...». 

Leonardo Coimbra («A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre»).


«(...) O grito de alarme, lançado frequentemente até à pouco, a saber, que o percurso da técnica deve ser dominado, o seu ímpeto sempre mais forte para novas possibilidades de desenvolvimento submetido ao controlo - este grito testemunha por si só a apreensão que se espalha. Ignora que se exprime na técnica uma exigência de que o homem não pode impedir o cumprimento, que pode ainda menos ver e dominar. Entretanto - e sobretudo isto é significativo -, estes gritos de alarme calam-se cada vez mais, o que não quer dizer que o homem controla seguramente a técnica. O silêncio traduz muito mais o facto de que face à reivindicação do poder pela técnica o homem se vê reduzido à perplexidade e à impotência, quer dizer, à necessidade de se conformar, pura e simplesmente - explícita ou implicitamente -, ao carácter irresistível da dominação tecnológica. Quando se aceita, antes de mais, nesta submissão ao inevitável, a concepção corrente da técnica, adere-se então nos factos ao triunfo de um processo que se reduz a preparar continuamente os meios, sem nunca se preocupar com uma determinação dos fins...». 

Heidegger («Língua de tradição e língua técnica»). 


«(...) Foi Hegel para a filosofia nórdica o sistematizador enciclopédico que Aristóteles terá sido para a filosofia grega. Foi também o seu derradeiro pensador optimista, o último em quem não aflorou a suspeita sequer de que o mundo espiritual a que pertencia ia entrar em crise. Não só o via aberto a todo o futuro como nele encerrava todo o passado, para lá da modernidade, de romanos e gregos, do remotíssimo oriente até antes da criação do mundo. Concebeu de tal modo, e com tal génio, a ideia, que a ideia pensada constituía todo o pensamento, futuro e antigo, humano e divino. Dizia que o seu pensamento era o pensamento de Deus antes da criação do mundo e dizia que o pensamento de qualquer singular filósofo continha, já pensado, o pensamento de todos os homens que o precederam. 




Martinho Heidegger



Todavia, Martinho Heidegger diz-nos que Hegel, "com a sua determinação especulativa e dialéctica da história", se viu inibido de considerar "a verdade e o seu reino" como sendo a finalidade da filosofia e, muito embora, "tenha fixado o reino da pura verdade como fim da filosofia", atribui-lhe por objecto ou por essência "a actividade da vontade absoluta". Todavia, repetimos, Heidegger diz-nos que o pensamento de Hegel, com justa razão considerado a sistematização da filosofia nórdica, é um sistema da vontade, inibido de ter a verdade por sua finalidade ou seu princípio. 

Dizia também Hegel que "a filosofia é filha do tempo", mas com a condição de ultrapassar os limites do seu tempo ou de neles encerrar todos os tempos passados e futuros. O que Heidegger nos afirma é, porém, que, sistema da vontade, o hegelianismo é bem a filosofia de um tempo que não ultrapassou e nele encontra seus bem demarcados limites. E propõe que o filósofo, em vez de hegelianamente assumir todo o pensamento até ele pelos homens pensado, antes se despoje de tudo o que foi pensado ao longo dos tempos e reverta àquela origem - de que parece ver mais próximos os pré-socráticos - onde o saber da verdade, ou a mesma verdade, terá tido porventura uma expressão imediata. 

Há nesta proposta de Heidegger uma espécie de má consciência ou de dramática visão da crise, se não da nulidade, de toda a filosofia nórdica. Significativamente, é hoje Heidegger o mais qualificado representante dessa filosofia e embora, na proposta reversão do pensamento ao saber original, todos os seus sentidos se abram aos filósofos gregos, os pensadores que mais demorada e atentamente parece ter estudado foram Duns Escoto e Frederico Nietzsche, a ambos dedicando volumosos escritos: Escoto, como temos visto, representa o decisivo impulso da filosofia nórdica; e Nietzsche é quem vislumbra e primeiro o proclama, num sentido o fim dessa filosofia, noutro sentido a inferioridade dela perante o pensamento dos povos meridionais, não só o dos antigos gregos mas também o dos católicos da renascença e das lutas luteranas e o dos seus contemporâneos itálicos e franceses. Na sua visão perturbada, não consegue porém desprender-se da filosofia que, em sua exaltação genial, repudia e condena, e paradoxalmente atribui à vontade aquele primado que constitui a substância dessa filosofia. 

Com Nietzsche e até Heidegger, define-se o século da crise e porventura o encerramento da filosofia moderna, cuja perduração já parece apenas institucional. Um discípulo de Heidegger, Herbert Marcuse, vai já ao ponto de dar tal encerramento por concluído, afirmando que Hegel é o derradeiro dos filósofos e, com ele, a filosofia transita à sociologia ou teoria social. 

Marcuse vê bem que uma filosofia que fez da vontade seu fundamento, apenas se pode apresentar como filosofia enquanto elabore o processo que, abdicando da soberania da verdade e sacrificando o amor ao saber, conduz ao predomínio da acção em que a vontade se manifesta. A missão da filosofia moderna terá sido portanto a de negar o princípio da verdade. Derradeira e mais perfeita sistematização dessa filosofia, o pensamento de Hegel, concebendo o espírito como "o negativo que qualifica a razão e o intelecto" será o pensamento da negação incessante, factor dinâmico da dialéctica e da história. 

Estaremos pois a assistir ao anoitecer da filosofia nórdica, estaremos talvez no crepúsculo de uma civilização. Não vamos agora lembrar a antiga sabedoria mítica com a imagem, tão grata a Hegel, do pássaro de Minerva que levanta voo ao anoitecer. Uma funda decepção paira neste fim do dia que na liberdade julgou ter sua luz solar mas que, ao desligá-la da verdade e fazer dela o assunto da vontade, essa mesma liberdade comprometeu». 

Orlando Vitorino («Refutação da Filosofia Triunfante»). 





Portugal e o Futuro 



Leonardo Coimbra



Os dois grandes pensadores da nossa época são o português Leonardo Coimbra e o alemão Martinho Heidegger. Um, homem do centro da Europa, talvez centro da terra, o outro, homem da periferia da Eurásia, homem do Finisterra.

A nossa época é a da desolação do mundo, designação de Leonardo que Heidegger utiliza. A desolação do mundo é descrita nos mesmos termos pelos dois pensadores: é o império da técnica no vazio da existência. Para ambos, a técnica e o igualitarismo são solidários. Portanto, o império da técnica é também o império do igualitarismo.

Leonardo, que não assistiu à Segunda Guerra Mundial, só conheceu a formação do império do igualitarismo no império comunista russo. Heidegger, que sofreu a guerra mundial no centro da catástrofe e viveu ainda mais quarenta anos, conheceu a formação do império da técnica no império tecnológico americano e pôde dizer que a Europa – isto é, a civilização pois só há civilização criada pela filosofia e só há filosofia na Europa – está sendo esmagada entre o império russo e o império americano.

Nenhum dos pensadores assistiu à implosão do império comunista russo. Semelhante implosão aguarda o império tecnológico americano.

Heidegger não previu nem uma nem outra implosão, e morreu no desespero do seu pensamento que é o desespero do característico pessimismo da filosofia alemã, afirmando que “só um Deus nos pode salvar”.

Leonardo anunciou o inevitável termo do império comunista que tinha perante si e que descreveu, com suas razões de ser e sua intrínseca falácia, num dos livros fundamentais do pensamento contemporâneo que intitulou A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre, mas hoje vemos que podia ser intitulado O Mundo de Hoje e o Homem de Sempre ou a Desolação do Mundo e o Homem de Sempre. Aí, como Heidegger, associa o igualitarismo à técnica com uma minúcia saturada de um conhecimento da ciência positiva que o alemão não possuía, e descreve a técnica como o último estádio de um pensamento científico desviado da origem que o tornou possível: a relação de caridade, isto é, do amor em acto, entre o homem e a natureza que o cristianismo trouxe. O último estádio, disse eu, do pensamento científico porque a tecnologia que se forma sobre os triunfos da técnica dispensa o pensamento científico como a ciência positiva dispensara o pensamento metafísico.

Ambos os pensadores – um ao outro se desconhecendo – entendem igualmente que toda a filosofia ou toda a metafísica (para os dois são o mesmo) é o platonismo.

Diz o português: é a reactualização do platonismo; diz o alemão: é o percurso do platonismo. Para Heidegger a transcendência não interfere no pensamento e, por isso, o platonismo segue o seu percurso sem qualquer interferência do cristianismo. Para Leonardo, o platonismo alcança a plenitude no cristianismo, sem o qual seria, como Heidegger entende, o portador do niilismo, da técnica e da irrealidade do mundo e do homem.

Jesus Cristo às portas de Jerusalém


Compreende-se então, o desespero de Heidegger perante o império do igualitarismo que inviabiliza o pensamento, e perante o império da técnica, que anuncia, pela voz de Nietzsche, derradeiro filósofo alemão, a morte de Deus e a morte do homem.

Compreende-se também que a realidade que o cristianismo trouxe ao mundo e ao homem, irreais do platonismo, levasse Leonardo a demonstrar a necessária vitória do homem de sempre sobre o mundo desolado do império do igualitarismo e da tecnologia.

Se os dois pensadores do mundo de hoje são um português e um alemão, se o mundo, como toda a realidade (ou, numa linguagem mais metafísica, o “ser”) são o que for o pensamento – e nesta identidade de pensar e ser estão também concordes Leonardo e Heidegger, aliás segundo uma tradição que remonta ao remoto originário Parménides - , se, enfim, “toda a filosofia é situada” como diz José Marinho, e a sua situação é a radicação na entidade espiritual do povo em que é pensada, como entende Álvaro Ribeiro, então temos de concluir que o mundo é, hoje, dramaticamente, e será no futuro, talvez sem tragédia, o que forem a Alemanha e Portugal. Todo o futuro se decidirá no conflito entre o pensamento português e o pensamento alemão, entre Leonardo e Heidegger. Se a implosão do império comunista russo decidiu a favor de Leonardo, também assim decidirá a implosão do império tecnológico americano, implosão igualmente suposta no platonismo reactualizado de Leonardo?

Consideremos a questão seguindo uma linha mítica, de acordo com este colóquio ou seminário. Entende Heidegger que a palavra é a morada do ser e que o poeta é o guardião da palavra. O seu poeta é Hölderlin. Entende Leonardo que a poesia é a voz dos mitos. Os seus poetas, poetas mitogénicos, são Pascoaes e Camões.



Túmulo de Camões no Mosteiro dos Jerónimos (Lisboa).



Uma pátria é a entidade espiritual que emerge da acção histórica quando a acção histórica a tornou real. A acção histórica de que emergiu Portugal em sua entidade espiritual foram os descobrimentos. Neste seu sentido ou movimento, a acção histórica contém um pensamento a que a poesia, muito mais do que os acontecimentos que a compõem, dá expressão num mito, enquanto a filosofia a concebe numa ideia. O mito encontra-se n’Os Lusíadas, a ideia na filosofia de Leonardo e seus epígonos. Desta, já deixámos as alusões suficientes. Do mito convém ao tema do colóquio que falemos.

O mito cria-se sobre a viagem do Gama, desvendando os oceanos até alcançarem não a Índia, como ensinam os historiadores nas escolas e em seus tomos, mas a sabedoria. O fim da viagem – e todo o autêntico fim, ou causa final, é também o princípio – o fim da viagem está na Ilha do Amor (dos Amores para os profanos). Aí, a sabedoria é revelada ao Gama pela deusa Tétis em seu templo no alto das montanhas donde se avistam os mares, os continentes, os mundos terrestres e celestes.

Alcançado o fim, os nautas regressam porque, como diz Sampaio Bruno, “só se viaja para regressar”. Mas chegados ao lugar da partida e do regresso, os homens do Estado e da República, ambiciosos por natureza, escondem ou fazem desaparecer os livros da sabedoria, como o Tratado das Causas, as Décadas e a Crónica do Imperador Clarimundo, de João de Barros, escondem a razão porque o cosmógrafo dos navegadores, Pedro Nunes, desdenha a geografia de Copérnico e conserva a de Ptolomeu, e fazem do descobrimento que levou à Ilha do Amor um vulgar caminho marítimo da Índia para negociar especiarias ao abrigo de um frágil império comercial que depressa se desfaz. É o reverso da entidade espiritual que emergira enfim da acção histórica. É o retrocesso na história universal, isto é, na história destinada ao uno ou à unidade do mundo. É a silenciosa traição.



Mosteiro da Batalha



Expulsos da Índia, esses homens do Estado e da República fixam-se a meio do caminho, prendem-se à África sem civilização onde vão explorando os nativos e perdendo o sangue. É a longa, triste e ruinosa decadência. Quatro séculos de decadência, até chegarmos hoje ao fundo da noite. Mas é na noite que levanta voo o pássaro de Minerva.

Então se erguem sinais do futuro. O luminoso sinal é ter encontrado em Leonardo o seu conceito e a sua ideia o pensamento que faz emergir a entidade espiritual de Portugal, isto é, da Pátria, da acção histórica que conduziu. Sinal ainda envolto em sombras é o abandono, enfim, do esgotante agrilhoamento à África, é o movimento populacional, militar e político que liberta Portugal da inutilidade africana. Não foram as populações colonizadas que se libertaram dos portugueses, foi o povo português que se libertou, enfim, dos colonizados.

Estes sinais continuam a ser naturalmente combatidos pelas inércias mergulhadas em longos séculos de decadência.

Ao sinal luminoso de Leonardo ainda as instituições bem instaladas fazem por encobrir quanto podem, mas já podem pouco. Ao sinal de libertação dos grilhões africanos ainda o envolvem em brumas sebásticas a nostalgia dos reaccionários de mãos dadas com o europeísmo dos revolucionários. Aos revolucionários, oculta-lhes a ingénua ignorância o fundo desespero que Heidegger sondou na Europa sujeita ao igualitarismo, à técnica e ao niilismo, à morte de Deus e à morte do homem.

Em sua respeitabilíssima santa simplicidade, tanto os reaccionários como os revolucionários estão longe de poder saber que o futuro se há-de decidir do confronto, que tem a expressão suprema, com raízes na remota origem e no sempre presente princípio da civilização, entre o pensamento de Martinho Heidegger e de Leonardo Coimbra. Nada mais, por agora, é preciso ou convém acrescentar (in As Linhas Míticas do Pensamento Português, Colóquio, Fundação Lusíada, Lisboa, 1955, pp. 43-48).